domingo, 17 de abril de 2011

Desde cedo.


Era bom levantar assim, sozinha dessa vez, sem nenhum resquício de barulho pela casa. Somente escutava sua respiração lenta e serena, denunciando que ela ainda tinha um bom tanto de sono preso nos olhos. Era bom escutar isso e estar sozinha como sempre, o ruim era pensar no tudo que tinha que fazer. Porque ela pensava tanto nisso, nos compromissos, na agenda, na hora, nas datas, porque pensava que daqui a pouco iria ser dia tal, e que tudo iria passar de modo que sua ansiedade e seu receio engajado de medos iriam se decompor.

Forçou-se a se descobrir, e a sair com muita reclusa de sua proteção quente e segura.
Ela odiava terque levantar. E como sempre fazia, sentou-se na cama. E olhou seus pés claros e delicados. Pés de bailarina sem balé. Pra ela a dança era algo seu, era uma de suas formas entre tantas. O quarto cheirava a sono com perfume e a dengosidade do ar se impregnava por entre a pele, resultando em preguiça.

Dirigiu-se a cozinha, sempre ia antes ao banheiro para olhar o estado de sua cara, porém a cozinha lhe parecia mais atraente hoje. Esquentou seu café, e se recostou na pia. Correu os olhos por toda a cozinha, que denunciava que passara por uma grande agitação há algumas horas atrás.  Eram oito horas da manha e parecia frio.

Abriu a porta, que dava para a varanda de trás da casa e sentou-se no muro baixo que dividia a varanda da calçada. Agora tinha uma xícara de café nas mãos e realmente o frio era apaixonante, arrepiava seu corpo e deixava levemente roxas suas mãos. Não costuma olhar para seu quintal tão cedo do dia, gostava de fazer isso durante a tarde junto ao sol se pondo. Mas sabia que á tarde a casa estaria habitada novamente e sua solidão somente ficaria mais longe.

O casaco rosa claro de sua mãe, que ela havia roubado temporariamente não era o suficiente pra lhe esquentar ali fora. Lembrava do quanto elas brigavam por causa daquele casaco velho, cheio de bolinhas e confortável. Ela o colocava quando levantava, fazia isso só nos dias frios, e quando levantava pensando e não rapidamente louca.

Pousou a xícara bem ao seu lado no muro, e encolheu suas pernas, abraçando-as rente ao peito. Deu um íntimo suspiro e chamou as lembranças, os momentos e pequenos fragmentos de seu feliz sorriso que ela perdeu não sei em que estradas.
A vida agora parecia estar olhando para a direção certa, mas confusa.

Era fácil esquivar-se, era fácil abster-se, era tudo fácil demais. Estava fácil demais, para alguém que agrupou tantos grãos de esperanças, que como a areia, foram grudando-se em outros corpos e só restaram as marcas. Sempre soube, e nunca escondeu de si que tudo seria igualmente igual, semelhante a todas às vezes, cópias cruas e azedas. Porque é sempre igual, são coisas normais, que aceitamos perfeitamente, rotinas. E porque agora teria que ser diferente, não se considera uma hipótese a ideia de que era a parte quebrada que mais se encaixou e deu certo entre várias e várias parecidas.

E bateram na porta. Já de manha, tão cedo e no meio de raciocínios raros. Juntou a xícara com uma trasparecente raiva ríspida. Odiava, Odiava isso.  Pra que incomodar os outros desde cedo, não há razão, pessoas educadas não vão acordar quem precisam a qualquer hora do dia, especialmente de manha e com essa batidas incessantes, até julga-se ansiosas. O que resta é abrir a porta, e ver quem foi à pessoa que interrompeu uma manha que parecia ter começado bem...




Continua...

quarta-feira, 2 de março de 2011

Luz no Escuro


Faltava luz naquela letra, sim talvez um pouco de luminosidade e até suavidade, pensou Jenny. Ela sempre pensava e ficava quietinha, ás vezes decidia falar, mas somente naqueles dias em que nos sentimos hiperativos e com vontade de fazer vontades que nem sabemos que temos. Mas hoje não, hoje é ele que decide, os textos, letras, musicas e os outros manifestos e rebeliões de ideias que só ele deleita sobre as páginas rosadas. Na verdade Jenny nem sabia que espécie de tesouro ela segurava em suas mãos, deitada sobre o sofá preto da sala enrolando uma mecha de seu cabelo ruivo, com o intuito de formar cachinhos que insistentemente não paravam intactos, as pernas cruzadas tortamente, fazendo com que seus pés com meias roxas  enroscassem nos cabelos de Steve.

Ah Steve, o pequeno e dengoso Steve. Não eram namorados, eram amigos, se quiser acredite, eu creio nisso, mas é uma crença sucinta, acho que eles têm muito em comum, mas não se completam por medo.
-Tá bom assim, pensei umas coisas aqui com minhas tatuagens, mas acho melhor tu deixar o texto assim, já que é teu. - disse ela, tirando o cigarro da boca dele e já puxando o ar para começar o sermão.
-Nem comece, eu sei, não consigo parar, e você sabe que nem tenho vontade então fique quieta. Não, não quero deixar assim, falta gosto nisso.  O teu gosto.

Ela nunca o entendia quando balbuciava a palavra gosto se referindo a ela, nunca tiveram contato íntimo, só toca de lábios e apertos de corpos, só. Mas ela era a única mulher que sentia o cheiro dele dentro d’água e ouvia seu coração, mesmo com o barulho de rock altíssimo, que ele amava, amava mais que tudo, mas mantinha sempre no primeiro lugar dos gostos o nome dela. Aquele sofá preto era bom. Seguro até nos dias de furações e enchentes. Era sempre por entre o tecido daquele sofá e da pele de Steve que ela perdia lágrimas. Perdia lágrimas e suspiros, coloria de preto e branco suas palavras, que se misturavam com as palavras que Steve escrevia, e assim ambos criavam textos e músicas, que nunca foram e nem vão ser impressos, porque nem eles próprios sabem de sua existência.

Jenny adorava tudo nele, todas suas curvas e reclamações, mas o que ela apreciava imensamente, era a sua respiração confusa, acompanhada de sorrisos diversos. Algo que ocorria somente quando ela deitava no sofá e começava a reinar com ele sobre a bagunça que estava o apartamento. Ela arrumava tudo, gostava disso. Já ele não, mas gostava de vê-la arrumando tudo, e tinha um imenso prazer em desajeitar cada milímetro, só para escutar ela suspirar e falar que odiava o apartamento dele, mentira absoluta.

Mentiras que ela dizia desde que se conheceram, ela mentia para se esconder, ao melhor, para esconder a verdade que seus olhos denunciavam. Falava com olhos, sorria com olhos, fazia tudo com olhos, porém só Steve sabia disso e mais ninguém. Assim como só ele sabia, que sua inspiração para o desabar de ideias e rimas, vinha somente quando ela estava presente, quando eles se abraçavam no sofá e ficavam ambos tentando achar desenhos nos olhos um do outro ou quando ela chegava sem maquiagem, com o cabelo desarrumado, meio liso, hora ondulado, e se dirigia aos seus braços, falando o que fulano lhe fizera, o que o coração achava que era o certo, chorando quase sempre por tentar fazer de sua fragilidade, força perante olhos estranhos. A grande frágil mulher. E nessas horas ele sempre pensava: quero essa guria pra sempre pra mim. Sempre quero tê-la em meus braços.

E agora, quando ele escrevia musicas, era ela quem as iluminava. Jenny sabia que ela era a luz, que cada verso, das várias estrofes, eram maneiras ingênuas e petulantes que ele havia achado para soletrar o que o dicionário do coração afirmava constatar-se de amor. Amor ao qual ambos sentiam, não falavam porque não havia necessidade. Jenny era a luz e Steve era a escuridão que nunca escurecia.  Um era o ponto fraco do outro. Dependiam-se, tinham que se ter, porque luz sem o escuro não é luz e o escuro sem a luz não pode ser chamado de escuro.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Gotas Musicais



Sentei-me à mesa mais escondida possível, precisava me sentir seguro, quente e confortável. Lá fora chovia fraco, mas o vento fazia com que tudo parecesse o fim do mundo. Raios cortavam o céu, e logo em seguida trovoadas estremeciam o chão do Café, e todas as pessoas se encolhiam, e cerravam os dentes sem mostrá-los com aquela cara de puts, porque saí de casa justo hoje.
Continuei a me concentrar no livro, livros, coisa que eu adoro e o dia que vocês quiserem me presentear me dêem livros, mas livros instigantes, chatos não, se não eu devolvo e nem agradeço. Foi por entre a parte do atender ao telefone -no livro- que ela entrou, entrou e contaminou todo o café com seu perfume cheiroso, doce e musical.
Olhei seus lábios, murmuravam rapidamente palavrões, aqueles que todos falamos quando chove, chove e chove, quando tu respiras e come umidade, quando o cheiro de chuva é inodoro, porque teu olfato já se acostumou. Tinha cabelos castanhos claro, meio avermelhados, ou será que era ruivo, bom só sei que tinha cabelos lindos e só, eu nunca fui bom em cores de cabelo.

Colocou o guarda chuva vermelho -que combinava com seu sobretudo, que aliás a deixava com curvas de arrepiar, mas isso não vem ao caso- no chão de sua mesa, que era de frente a minha, e sentou-se de frente para mim, eu esperei olhares, suspiros, ajeitadas no cabelo, mãos na nuca, mostrada de pulsos, mais nada. Ela só sentou, e parecia tão concentrada que eu achei que iria engolir o papel que estava em suas mãos.
Não sei por que ela me fez querer estar sentado á sua mesa, lendo junto com ela o papel, e sendo admirado por aqueles misteriosos olhos, ela me fez querer, e eu como um bom homem inteligente e digamos que apreciador de novos contatos, resolvi manifestar–se antes que alguns dos machos presentes , que não eram poucos, colocassem seus planos em ação.
Foi aí que eu pensei, o que vou fazer pra ela se interessar, na realidade eu não sabia. Eu tenho e tive e vou ter seila, grandes experiências com mulheres de todos os sabores, mas ela era tão meiga e selvagem que fiquei sem atos. Bom, acho que vou desistir e ficar só observando, assim eu a vejo, a degusto e ela nem sente, poupou-me do esforço de matutar um plano infalível, que é falível absolutamente sempre.

Ela tem poder. Sim e como, mãos hábeis, branquinhas, unhas feitas, roupa arrumadinha, o cabelo está meio enrolado, pois com o tempo úmido até as pedras borrifam água. Traços sensíveis no rosto, bochechas vermelhas, digo rosadinhas pra ser mais gentil, cílios longos com uma sucinta camada de rímel, lábios médios e deliciosos. Ela ainda exalava uma música, um encanto, hipnotizador.
Já eram 7 horas da noite, eu tinha que voltar para meu apartamento gélido e dormente. Tinha e vou. Levantei, recolhi todas minhas tranqueiras e preciosidades, peguei minha contra chuva – chamava assim meu guarda chuva, pois não guardo a chuva dentro dele- deixei dinheiro sobre a mesa aspirei mais um pouco de música e fui. 

Não soltei o ar, queria ter comigo nem que fosse uma nota do encanto da moça, continuei a andar, quando senti uma grande movimentação atrás de mim, bagunça, algo estava errado, olhei e a vi. Sorrindo me disse “Até que enfim o senhor me viu, desculpa incomodá-lo, mas o senhor deixou algo perdido lá no café.” – pronto o que eu havia esquecido, tudo estava ali, preso ao meu espaço, minhas coisas, mochila, papéis, contra chuva, dinheiro, carteira, casacos, tá eu não sabia. “Moça, pelo que me lembre não deixei nada para trás”, a essa altura ela estava em baixo do meu contra chuva, a música dela me ensurdecia os ouvidos, era impossível eu conseguir ouvir minha respiração, ela me olhou nos olhos por um instante, acho que estava tentando me analisar e baixou o rosto que estava rosadinho nas bochechas que pareciam sentir frio, estendeu a mão com um pedaço de guardanapo dobrado. “Moço, o senhor esqueceu este guardanapo.” E saiu, voltou para o café molhando-se, pois a chuva aumentara.
Dois dias depois, em meio aos meus casacos encontrei o guardanapo, eu não o havia desdobrado e analisado seu conteúdo. Porra era um guardanapo, o que tem em guardanapos? Nada. Mas por pura vontade de provar minha razão eu o abri, e lá estavam escritos números -de telefone- rapidamente rabiscados, mas perfeitamente visíveis. E mais abaixo uma frase: "minha música só toca, quando eu encontro o instrumento perfeito para suas notas."

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Pra Sempre

                              

Pegou o copo de café e se dirigiu a janela de seu apartamento, não sei por que, ela tomava café em copos, xícaras a seu ver não eram seguras, ela gostava dos coloridos com ou sem pintinhas ou desenhos. Morava em um prédio, mesmo tendo medo de altura, porém achava que convivendo com o ar mais alto, seu medo se esquivasse e sumisse mesmo isso sendo meio que impossível para ela.

Como sempre se sentava no peitoril da maior janela, que estava gritando por uma mão de tinta, olhou para baixo, ela morava no quinto andar num prédio de 10 andares, era estranho. Lá embaixo, sempre via a mesma paisagem, pessoas e pessoas, idosos, crianças, casais... Enfim pessoas tão iguais, mas tão e unicamente diferentes. Olhar para baixo lhe trazia dor de cabeça. Então levantou seu olhar, e dirigiu-o para a janela do prédio a frente, aquela janela com uma cortina verde com bolinhas amarelas que sempre estava fechada. Fazia mais de três
meses que Kate morava nesse prédio e nunca a vira aberta. Mas ela gostava dela, e por isso quando cansava de olhar para as pessoas, olhava para aquele canto, com uma leve esperança delas se abrirem e revelarem um sinal de vida naquele apartamento.

[...] o café acabou. Merda! Odiava tomá-lo rápido por que morria de preguiça de ir buscar mais. Mas não tinha quem o fizesse para ela, e para não ficar sem e não correr o perigo de ficar com o copo vazio novamente encheu-o bem, olhou para os ponteiros do relógio que marcavam 10 da noite, e voltou para a janela. Não queria ver TV, nem sair, só queria olhar. Voltou seus olhos castanhos claros para a cortina verdinha e ela não estava mais lá fechada, estava arredada para os lados, e a janela estava aberta. O apartamento estava com a luz apagada, e ela não conseguia ver nada além da cortina. Mais um gole de café, mais uma olhada e movimentos. Na janela apareceu à imagem de um homem, deduziu que ele tinha uns 22 anos, cabelos castanhos claros, rosto com traços marcantes, uma barba malfeita, e olhos perdidos. Tudo parecia tão familiar para ela. Ele a viu. Sorriu um sorriso limpo e puro, e depois sumiu. Sumiu e não voltou mais durante uns dias. Era uma sexta-feira, Kate entrou em casa, deixou sobre a bancada da cozinha a sacola de pães e foi abrir a janela, a cortina estava aberta, e o menino estava lá. Sorriu e falou algo, algo que Kate não entendeu, ela tinha que 
entender mais não conseguiu, ele fechou a janela e ela voltou para a cozinha.

De repente a campainha tocou. Ela teve a leve impressão de saber quem era, sentiu um perfume, aquele cheiro que ela sentia todas as manhas quando um buquê de rosas era deixado na porta de seu apartamento, e ela corria atender,o que tinha acabado de fazer agora, automaticamente. Aquele perfume, o rosto marcante, a barba mal feita, os olhos que acharam o que procuravam tudo pertencia a ele, inclusive ela também. Seu coração não acelerou, suas pernas não tremeram, suas mãos não suaram, sua boca não sorriu. Mas dos seus olhos saíram lágrimas, lágrimas de amor, e os lindos olhos castanhos do menino foram chegando mais perto, transbordando em lágrimas, a mão dele enlaçou a cintura de Kate, seus lábios quase se tocavam. Olhos nos olhos, lágrimas misturadas, corações enlaçados, pele quente e arrepiada. “Eu te amo” -disse ele- “Eu também” - ela respondeu. “Por que você foi embora, sem deixar vestígios, somente deixando o cheiro de seus cabelos em meu travesseiro e sua pulseira sobre o piso do banheiro?”- olhou-a- “Por que tive medo.”-disse ela- “Medo? Medo do meu amor por você? Medo de mim?” -Falou isso com uma voz doída- “ Medo de mim, receio de mim. Eu não sei se consigo te fazer feliz, não sei se consigo te retribuir, se consigo lhe dar amor.” 

Ele afrouxou seus braços e depois de um suspiro lento e uma mordida nos lábios, olhou-a nos olhos cheios de sombras, mas com fios de luz e disse: “Não preciso que você me ame mais, só preciso de você. De tua voz, teu cheiro, tua presença, teu toque, teu sorriso quando provoco teu corpo quente, teus cabelos sobre meus braços, teus pés nas minhas pantufas, tuas mãos hábeis e pequenas ajeitando minha gravata. Preciso do teu hálito de manha, do teu cobertor, preciso do teu ar, do barulho do teu coração, da tua escova de dente, do teu esquecimento, da tua inconstância, da tua meiguice. Olha não te peço nada, somente uma coisa." Levantou-a e colocou-a sobre a bancada da cozinha, caía um temporal lá fora. “Esteja comigo pra sempre,quero ser livre, mas algemado em você.” 

Um atraso para o mundo parar


Naquela manhã, ela despertou antecipada ao de costume. Um bocejo bem longo cortou o silêncio da manhã, ela levantou da cama, como quem não tinha pressa de ir a lugar algum, se dirigiu ao banheiro, e tomou um daqueles banhos bem caprichados com a água morna - a temperatura exata, de como ela se sentia. Depois de 50 minutos passados aceleradamente, ela já estava vestida aguardando o café ficar pronto. Estava chovendo, e ela ignorou a mesa para ficar na janela, observando a imagem embaraçada que os pingos da chuva lhe proporcionavam. De modo desajeitado encostada à um balcão ela remexia com a colher a xícara de café quente, em pleno verão, e dividia seu olhar entre os pingos na janela e o fundo da bebida que ainda exalava fumaça. O olhar estava triste, um bico nos lábios, e o pensamento longe, muito longe, era um dia que aparentemente tinha tudo para dar errado. 
Olhou sem querer para o relógio, mais 1 minuto e poderia se considerar atrasada, o desespero agiu, e a fez somente passar a mão nas chaves e na bolsa. Não teve paciência para esperar o elevador, e foi pelas escadas mesmo. Desceu com toda a velocidade possível, em poucos segundos havia passado do 20º andar para o 9º, e foi assim que alguém esbarrou nela. O nervosismo tomou conta da moça:

- Deveria prestar mais atenção por onde anda!


O tom da voz da bela no começo era de fúria, mas após ver o rapaz, a voz foi mudando de estados até chegar ao suave. Ele era incrivelmente lindo, alto, loiro, com uma voz encantadora, e com olhos verdes do melhor jeito possível vidrados nos dela. Também era cavalheiro,  e trocou sua pressa por romantismo nato.
- Me perdoe, estou atrasado e sai desesperadamente de casa. Deixe-me lhe ajudar.
- Tudo bem, acontece. É... Então somos dois atrasados!
- Eu não me importo em chegar mais tarde, se o que me fizer atrasar for a sua companhia.
Disse ele, com um sorriso confiante, e hipnotizador de certa forma. Ele havia se interessado por ela, aquela moça em apuros, com um charme e mistério que o instigava a explorar o terreno.
- Para que lado tu vai? Posso oferecer-te uma carona, e simplesmente não aceito não como resposta! - Completou ele, mantendo o sorriso.
Ela meio que sem jeito, e já corada nas bochechas, retribuiu com um sorriso do mesmo tipo e depois de olhar fixamente para ele completou:
- Eu vou para a 9 de Julho, mas não quero lhe incomodar e por consequência lhe atrasar ainda mais. Fico muito agradecida, mas...
- Mas, lembre-se que eu lhe disse que não aceitaria não como resposta - disse ele interrompendo-a. - E não se preocupe - Continuou  - Não será incomodo algum, para chegar ao meu destino, sou obrigado a fazer este caminho sempre, e mesmo se não fosse, seria o mínimo que eu poderia fazer depois te lhe atrasar ainda mais. O meu atraso já não importa.
- Sendo assim. Eu me vejo obrigada a aceitar.

Foram caminhando em silêncio, mas enquanto isso no pensamento se passava inúmeras coisas, que de tão misturadas, só os faziam continuar calados. Ao chegarem ao térreo, ele a conduziu até seu carro, que não tinha condições de ser comparado ao dono, o carro era velho, a pintura estava gasta, cheirava inteiramente a gasolina e ela gostava disso, mas gostava mais ainda do aconchego que ele proporcionava, um aconchego bom assim como estar ao lado daquele rapaz, que ela havia acabado de conhecer.

Ele é um tipo raro, não são todos os homens que se disponibilizam a abrir a porta do carro para uma moça que mal conhecem - Analisou ela.

Ela é um tipo raro, não são todas as mulheres que são tímidas e ainda possuem um ar misterioso, um cheiro bom, e além de tudo são lindas - Analisou ele.

Por um bom tempo, eles permaneceram somente em observação. Um olhava o outro. Cada movimento era motivo de analise para os dois. 
- E então, o que você faz na 9 de Julho? - Arriscou ele.
- Sou médica, trabalho na clínica principal. E você o que faz sempre além do meu percurso?
- Hum, médica... Acho que preciso urgentemente marcar uma consulta contigo então. Bom, além do seu percurso, eu trabalho em um escritório de advocacia, e apartir de hoje, nunca mais mudarei meu caminho.

Um pouco sem jeito, mas pensando nas primeiras palavras dele ela respondeu: 
- Marcar uma consulta? Urgente? É um problema sério? Se quiser, pode chegar ao meu consultório agora! 
- Calma, eu sei que tem cura - Disse ele, e após alguns segundos, olhou bem nos olhos da moça, e continuou - Meu problema é de coração, e começou assim que eu esbarrei contigo hoje. Foi amor, eu sinto, e pela pulsação cardíaca enquanto estou aqui na sua companhia, sei que é forte, e o remédio seria um lugar no seu coração.
A moça se espantou, mas era somente o que ela queria ouvir naquele momento. Ela também havia se apaixonado por aquele rapaz. E não demorou a responder, toda tímida, mas com todo sentimento também.
- Não sei como nem porque, mas o que eu senti foi o mesmo, e te garanto que você terá cura, porém para isso preciso que você devolva meu coração, pois não conseguiu somente um lugar nele, conseguiu ocupa-lo por inteiro. E o mais incrível, em tão pouco tempo. Mas espero que você me devolva ele realmente, ou serei obrigada a dar queixa e procurar um advogado.
Nesse tempo um viu o olho do outro no próprio olhar. Os lábios estavam a uma distância muito pequena, e antes de se tocarem ele a respondeu: 
- Eu aceito o caso!
E o atraso não mais importava, pois naquele momento o mundo parou. Parou para os dois.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Olhe com os olhos, e não com o coração




Como uma coisa tão pequena, pode fazer tanto estrago. Colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha, e direcionou seus olhos para sua mão branca e delicada, que agora estava machucada, com uma bolha pequena, mas que doía absurdamente.
Escutou o ranger da porta abrindo-se preguiçosamente, levantou seus olhos e lá estava ela, sua amiga, Raquel, que sempre insistia em bater na porta, mesmo sabendo que para Lívia portas não existiam.
- Que fez na mão? Perguntou, dirigindo seus olhos a mão de Lívia.
- Sei lá, acho que expus minha mão a algo não muito agradável. Quando me dei conta, minha mão estava assim, já passei pomada para ver se melhora.
- E está melhor?
- Sim, melhorou o aspecto.                                                                                    
- Não sua mão. Estou falando de ti guria, teu coração como anda, hein? Espero que melhor do que ontem.

Lívia olhou-a de soslaio e levantou-se. Pronto, pensou. Como iria falar para ela que estava apaixonada pelo mesmo menino que Raquel guardava um grande sentimento. Já tinha levado essa mentira longe demais, não existia esse tal de Roberto, na realidade, ele não passava de um nome da lista telefônica. Ok, decidiu que iria falar tudo, de uma vez só, porque talvez assim ela escutaria sem interferir e o baque seria mais leve e suave, do que falar pausadamente.

- Bem... Tudo está igual. Não posso me aproximar dele, por causa daquela menina que te falei.
Um longo e desconfortante silêncio deitou-se sobre o quarto, deixando-o frio, e tão parecido com um lugar desconhecido e inseguro.
- Eu sei. - Disse Raquel - Sei direitinho quem é ela, eu a vejo todos os dias, e converso com ela sempre. E vou lhe dizer uma coisa, que ela sempre quis te dizer, mas por achar que iria te machucar ela sempre guardou para ela.

Rachel esperou. Esperou Lívia acordar ou sair do transe de achar que ela sabia realmente que Rachel conhecia a menina. E então falou alto e declarado:
- Aquela menina me disse que nunca de forma alguma, esperava que você Lívia Samanta Borges fosse capaz de se apaixonar por ele. Ela disse Lívia, que cada segundo que ela passa ao seu lado é um pouco angustiante, ela disse pra mim, olhando nos meus olhos, que está profundamente magoada com você, mas que não irá te deixar nunca.

Ouvindo isso Lívia levantou seus olhos transbordando de lágrimas, e singelamente respondeu com um fio de voz:
- Rachel, eu nunca, nunca em toda minha vida, me vi numa situação dessas.  Eu... Eu, no começo achava que era brincadeira do meu coração, mas com o passar do tempo, e com você sempre vindo me falar dele, e ele me cercando e puxando assunto, tentado se aproximar, me observando. Tudo isso criou essa situação. Mas olha te digo uma coisa, eu não quero por nossa amizade em risco, como você fez á um ano atrás, eu não quero perder você novamente, e fico feliz por saber que você não irá me deixar como eu o fiz aquela época.
Lívia falou cada palavra com os olhos fixos nos de Rachel, que carregava em seu rosto a velha expressão que ambas conheciam muito bem. Novamente tinham se apaixonado pelo mesmo menino, e novamente a amizade de anos, estava por um fio.
- Lívia, eu acho melhor a gente se distanciar dele então, porque se você lembra direitinho do nosso passado, essa seria a melhor opção. Ou então fique feliz.
- Como assim feliz Rachel?!
- Feliz por que eu vou me mudar.

Eram palavras novas. Principalmente para a menina morena de pele branca, que tanto tinha lutado para manter viva a amizade delas duas:
- Mas como assim? Você não me disse nada, não me contou isso! Por quê???
- Por que achei melhor.
- Mas e como vamos nos ver? Conversar? Ah sim, você não se mudará para muito longe não é?
- Vou me mudar para outra cidade a 450 km daqui, e quero continuar sendo sua amiga, e tendo as mesmas conversas, e te enviarei fotos, e tudo será normal.
- Você irá quando?
- Já fui. Ontem eu levei meus pertences, e vim hoje me despedir de você.

Lívia ficou sem palavras, só sentiu Rachel lhe abraçar, e sair. Toda aquela cena estava muitíssimo estranha, Rachel nunca, em toda sua vida, havia se comportado dessa forma, mas decidiu esquecer, e pensar que era tudo coisa da sua cabeça, e tudo estava normal.

Passado uns dias, Lívia ligou para Rachel, que nem imaginava que ela tinha seu telefone:
- Alô - Disse um homem do outro lado da linha, um homem que Lívia conhecia muito bem.
- Alô - Disse ele novamente - Quem está falando?
Não. Não. Não. Era ele. Ela sabia como era sua respiração, sentia até seu cheiro, e via perante seus olhos o sorriso mais lindo do mundo. Rachel mais uma vez ganhara, lhe tirara mais um alguém especial, como fazia com todos, e fez com todos os que Lívia um dia achou amar. Tomou-os sem pedir, levou-os sem contar, mentiu sem ao menos se importar com o resto de confiança que Lívia ainda preservava. Ela nunca tinha mudado, e nunca iria mudar, tudo o que Rachel lhe prometera, fora jogado fora.
Então Lívia chorou. Chorou da forma mais assustadora que se pode imaginar, mas com o passar dos segundos entendeu, que Rachel sempre tivera inveja de tudo que fora seu, e que agora, mesmo tendo ele em suas mãos, ela um dia iria voltar. Porque não vivia sem Lívia, não sabia como ser, não sabia com agir, não sabia viver.


Nossos olhos não enxergam, quando o coração insiste em dizer que tem razão, mesmo não a tendo.