sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Gotas Musicais



Sentei-me à mesa mais escondida possível, precisava me sentir seguro, quente e confortável. Lá fora chovia fraco, mas o vento fazia com que tudo parecesse o fim do mundo. Raios cortavam o céu, e logo em seguida trovoadas estremeciam o chão do Café, e todas as pessoas se encolhiam, e cerravam os dentes sem mostrá-los com aquela cara de puts, porque saí de casa justo hoje.
Continuei a me concentrar no livro, livros, coisa que eu adoro e o dia que vocês quiserem me presentear me dêem livros, mas livros instigantes, chatos não, se não eu devolvo e nem agradeço. Foi por entre a parte do atender ao telefone -no livro- que ela entrou, entrou e contaminou todo o café com seu perfume cheiroso, doce e musical.
Olhei seus lábios, murmuravam rapidamente palavrões, aqueles que todos falamos quando chove, chove e chove, quando tu respiras e come umidade, quando o cheiro de chuva é inodoro, porque teu olfato já se acostumou. Tinha cabelos castanhos claro, meio avermelhados, ou será que era ruivo, bom só sei que tinha cabelos lindos e só, eu nunca fui bom em cores de cabelo.

Colocou o guarda chuva vermelho -que combinava com seu sobretudo, que aliás a deixava com curvas de arrepiar, mas isso não vem ao caso- no chão de sua mesa, que era de frente a minha, e sentou-se de frente para mim, eu esperei olhares, suspiros, ajeitadas no cabelo, mãos na nuca, mostrada de pulsos, mais nada. Ela só sentou, e parecia tão concentrada que eu achei que iria engolir o papel que estava em suas mãos.
Não sei por que ela me fez querer estar sentado á sua mesa, lendo junto com ela o papel, e sendo admirado por aqueles misteriosos olhos, ela me fez querer, e eu como um bom homem inteligente e digamos que apreciador de novos contatos, resolvi manifestar–se antes que alguns dos machos presentes , que não eram poucos, colocassem seus planos em ação.
Foi aí que eu pensei, o que vou fazer pra ela se interessar, na realidade eu não sabia. Eu tenho e tive e vou ter seila, grandes experiências com mulheres de todos os sabores, mas ela era tão meiga e selvagem que fiquei sem atos. Bom, acho que vou desistir e ficar só observando, assim eu a vejo, a degusto e ela nem sente, poupou-me do esforço de matutar um plano infalível, que é falível absolutamente sempre.

Ela tem poder. Sim e como, mãos hábeis, branquinhas, unhas feitas, roupa arrumadinha, o cabelo está meio enrolado, pois com o tempo úmido até as pedras borrifam água. Traços sensíveis no rosto, bochechas vermelhas, digo rosadinhas pra ser mais gentil, cílios longos com uma sucinta camada de rímel, lábios médios e deliciosos. Ela ainda exalava uma música, um encanto, hipnotizador.
Já eram 7 horas da noite, eu tinha que voltar para meu apartamento gélido e dormente. Tinha e vou. Levantei, recolhi todas minhas tranqueiras e preciosidades, peguei minha contra chuva – chamava assim meu guarda chuva, pois não guardo a chuva dentro dele- deixei dinheiro sobre a mesa aspirei mais um pouco de música e fui. 

Não soltei o ar, queria ter comigo nem que fosse uma nota do encanto da moça, continuei a andar, quando senti uma grande movimentação atrás de mim, bagunça, algo estava errado, olhei e a vi. Sorrindo me disse “Até que enfim o senhor me viu, desculpa incomodá-lo, mas o senhor deixou algo perdido lá no café.” – pronto o que eu havia esquecido, tudo estava ali, preso ao meu espaço, minhas coisas, mochila, papéis, contra chuva, dinheiro, carteira, casacos, tá eu não sabia. “Moça, pelo que me lembre não deixei nada para trás”, a essa altura ela estava em baixo do meu contra chuva, a música dela me ensurdecia os ouvidos, era impossível eu conseguir ouvir minha respiração, ela me olhou nos olhos por um instante, acho que estava tentando me analisar e baixou o rosto que estava rosadinho nas bochechas que pareciam sentir frio, estendeu a mão com um pedaço de guardanapo dobrado. “Moço, o senhor esqueceu este guardanapo.” E saiu, voltou para o café molhando-se, pois a chuva aumentara.
Dois dias depois, em meio aos meus casacos encontrei o guardanapo, eu não o havia desdobrado e analisado seu conteúdo. Porra era um guardanapo, o que tem em guardanapos? Nada. Mas por pura vontade de provar minha razão eu o abri, e lá estavam escritos números -de telefone- rapidamente rabiscados, mas perfeitamente visíveis. E mais abaixo uma frase: "minha música só toca, quando eu encontro o instrumento perfeito para suas notas."

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