sábado, 12 de fevereiro de 2011

Um atraso para o mundo parar


Naquela manhã, ela despertou antecipada ao de costume. Um bocejo bem longo cortou o silêncio da manhã, ela levantou da cama, como quem não tinha pressa de ir a lugar algum, se dirigiu ao banheiro, e tomou um daqueles banhos bem caprichados com a água morna - a temperatura exata, de como ela se sentia. Depois de 50 minutos passados aceleradamente, ela já estava vestida aguardando o café ficar pronto. Estava chovendo, e ela ignorou a mesa para ficar na janela, observando a imagem embaraçada que os pingos da chuva lhe proporcionavam. De modo desajeitado encostada à um balcão ela remexia com a colher a xícara de café quente, em pleno verão, e dividia seu olhar entre os pingos na janela e o fundo da bebida que ainda exalava fumaça. O olhar estava triste, um bico nos lábios, e o pensamento longe, muito longe, era um dia que aparentemente tinha tudo para dar errado. 
Olhou sem querer para o relógio, mais 1 minuto e poderia se considerar atrasada, o desespero agiu, e a fez somente passar a mão nas chaves e na bolsa. Não teve paciência para esperar o elevador, e foi pelas escadas mesmo. Desceu com toda a velocidade possível, em poucos segundos havia passado do 20º andar para o 9º, e foi assim que alguém esbarrou nela. O nervosismo tomou conta da moça:

- Deveria prestar mais atenção por onde anda!


O tom da voz da bela no começo era de fúria, mas após ver o rapaz, a voz foi mudando de estados até chegar ao suave. Ele era incrivelmente lindo, alto, loiro, com uma voz encantadora, e com olhos verdes do melhor jeito possível vidrados nos dela. Também era cavalheiro,  e trocou sua pressa por romantismo nato.
- Me perdoe, estou atrasado e sai desesperadamente de casa. Deixe-me lhe ajudar.
- Tudo bem, acontece. É... Então somos dois atrasados!
- Eu não me importo em chegar mais tarde, se o que me fizer atrasar for a sua companhia.
Disse ele, com um sorriso confiante, e hipnotizador de certa forma. Ele havia se interessado por ela, aquela moça em apuros, com um charme e mistério que o instigava a explorar o terreno.
- Para que lado tu vai? Posso oferecer-te uma carona, e simplesmente não aceito não como resposta! - Completou ele, mantendo o sorriso.
Ela meio que sem jeito, e já corada nas bochechas, retribuiu com um sorriso do mesmo tipo e depois de olhar fixamente para ele completou:
- Eu vou para a 9 de Julho, mas não quero lhe incomodar e por consequência lhe atrasar ainda mais. Fico muito agradecida, mas...
- Mas, lembre-se que eu lhe disse que não aceitaria não como resposta - disse ele interrompendo-a. - E não se preocupe - Continuou  - Não será incomodo algum, para chegar ao meu destino, sou obrigado a fazer este caminho sempre, e mesmo se não fosse, seria o mínimo que eu poderia fazer depois te lhe atrasar ainda mais. O meu atraso já não importa.
- Sendo assim. Eu me vejo obrigada a aceitar.

Foram caminhando em silêncio, mas enquanto isso no pensamento se passava inúmeras coisas, que de tão misturadas, só os faziam continuar calados. Ao chegarem ao térreo, ele a conduziu até seu carro, que não tinha condições de ser comparado ao dono, o carro era velho, a pintura estava gasta, cheirava inteiramente a gasolina e ela gostava disso, mas gostava mais ainda do aconchego que ele proporcionava, um aconchego bom assim como estar ao lado daquele rapaz, que ela havia acabado de conhecer.

Ele é um tipo raro, não são todos os homens que se disponibilizam a abrir a porta do carro para uma moça que mal conhecem - Analisou ela.

Ela é um tipo raro, não são todas as mulheres que são tímidas e ainda possuem um ar misterioso, um cheiro bom, e além de tudo são lindas - Analisou ele.

Por um bom tempo, eles permaneceram somente em observação. Um olhava o outro. Cada movimento era motivo de analise para os dois. 
- E então, o que você faz na 9 de Julho? - Arriscou ele.
- Sou médica, trabalho na clínica principal. E você o que faz sempre além do meu percurso?
- Hum, médica... Acho que preciso urgentemente marcar uma consulta contigo então. Bom, além do seu percurso, eu trabalho em um escritório de advocacia, e apartir de hoje, nunca mais mudarei meu caminho.

Um pouco sem jeito, mas pensando nas primeiras palavras dele ela respondeu: 
- Marcar uma consulta? Urgente? É um problema sério? Se quiser, pode chegar ao meu consultório agora! 
- Calma, eu sei que tem cura - Disse ele, e após alguns segundos, olhou bem nos olhos da moça, e continuou - Meu problema é de coração, e começou assim que eu esbarrei contigo hoje. Foi amor, eu sinto, e pela pulsação cardíaca enquanto estou aqui na sua companhia, sei que é forte, e o remédio seria um lugar no seu coração.
A moça se espantou, mas era somente o que ela queria ouvir naquele momento. Ela também havia se apaixonado por aquele rapaz. E não demorou a responder, toda tímida, mas com todo sentimento também.
- Não sei como nem porque, mas o que eu senti foi o mesmo, e te garanto que você terá cura, porém para isso preciso que você devolva meu coração, pois não conseguiu somente um lugar nele, conseguiu ocupa-lo por inteiro. E o mais incrível, em tão pouco tempo. Mas espero que você me devolva ele realmente, ou serei obrigada a dar queixa e procurar um advogado.
Nesse tempo um viu o olho do outro no próprio olhar. Os lábios estavam a uma distância muito pequena, e antes de se tocarem ele a respondeu: 
- Eu aceito o caso!
E o atraso não mais importava, pois naquele momento o mundo parou. Parou para os dois.

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